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Roteiros e Planejamento

Roteiros, planejamento, preparação, estudos.

Todo fim tem um começo.
O coração bate acelerado. Os olhos se abrem e o sono se vai. São duas horas da manhã e o estômago dá sinais de que a noite será muito breve. Aos meus pés, deitado sobre um velho colchão jogado sobre o chão dorme, tranquilamente, Joaquim, cachorrinho de nome humano que só não se comporta como tal por falta de oportunidade. Dois seres, dois sentimentos diferentes sob o mesmo teto. Da inquietude intensa à calmaria mórbida. Volto a dormir. As quatro horas da manhã me desperto novamente do que passei a chamar de cochilo à prestação. No quarto ao lado ouço o interruptor de luz ser acionado. Celso, primo e parceiro de expedição, também está se pondo de pé. Aos poucos a casa vai se tornando ruidosa. Na cozinha, dona Flávia, minha mãe, prepara o café. Comida boa ingerida às pressas cumprindo apenas seu papel trivial de nutrir um corpo que, por ora, não despertava qualquer sinal de fome. Na rua um papo rápido sobre a expedição antecedeu as saudações de boa viagem. Meu irmão iria nos levar até a casa do primo onde estavam armazenados os caiaques e de lá até o ponto de partida. Foi preciso fazer esta manobra, pois a garagem da casa de minha mãe é muito pequena, quase não cabe um carro popular. Assim seguimos caminho até alcançar um dos braços da represa que banha a cidade de Alfenas. No rádio o som da viola de Almir Sater tentava trazer um pouco de tranquilidade ao ambiente. Funcionou relativamente bem até que as cordas foram desamarradas da carroceria da caminhonete para liberar os barcos. Alguns carros se aproximavam. Motocicletas também. Quem está a pé foi deixado ali de carona. Não, engana-se quem agora imagina que aquele pequeno público havia chegado ali apenas para nos ver partir. Da outra margem da represa a balsa vem se aproximando. Todos, cada um em seu ofício, aguardavam a chegada da embarcação para cruzar as águas em mais um dia de trabalho. A balsa parte quando os caiaques são levados a água. Cuidado redobrado com a quilha e o fundo do rio. A peça, que lembra a barbatana de um tubarão de cabeça para baixo, foi construída em pulso próprio. Era essencial para manter a estabilidade do barco e evitar a perda de rumo por atuação do vento. Não podia amassar. Quebrar, nem pensar.  A proa, ou o bico do barco como queiram chamar, raspava seu fundo no barro vermelho e pegajoso dando o tom da saída. Aos poucos a distância foi deixando pequeno quem por culpa de um relógio preguiçoso perdeu a primeira balsa do dia.

O primeiro almoço da expedição.

O remo batia no casco constantemente deixando evidente a nossa falta de preparo. Aos poucos o corpo foi entrando em seu estado de relaxamento e as dores que se escondiam nos efeitos da adrenalina foram incomodando músculos e articulações. A noite fraca de sono cobrou o seu preço. Pontualmente, ao meio dia, paramos para almoçar. Em meio a tantas encostas de barro e vegetação de enrosco surgiu uma pequena praia de pedras brancas e água cristalina. Os barcos foram atracados lado a lado numa pequenina árvore que brotava por dentro d’água. Na panela o macarrão pedia o molho e o queijo parmesão fresco foi desenrolado do papel. Algumas poucas nuvens no céu fez o agrado de tapar a luz do sol por alguns minutos. Tempo contado para finalizar o almoço e lavar as panelas. Nada mais que isso. Ainda tentei capturar algumas cenas em vídeo, mas a câmera logo no primeiro dia pediu arrego e começou a falhar. Entrou para o fundo do saco estanque e por lá ficou até o fim da expedição. O relógio marcava o início do turno da tarde. Haviam metas bem apertadas para o dia. O vento, que por algumas horas era quase imperceptível, agora sopra desfavoravelmente forte. Pedimos clemência e fomos atendidos. Quem não entendeu muito bem o pedido foi o sol. Saiu por entre as nuvens para castigar. O remo, feito em liga leve de alumínio, por sensação do cansaço o fez parecer ser feito de aço e concreto. A tarde foi sendo superada lentamente em ritmo constante e com um bom espaço de tempo para divagar sobre a vida e as banalidades do cotidiano. Às dezessete horas o GPS evidenciou o último ponto do dia, uma pequenina casa impressa em seu visor. A casinha, símbolo de aconchego, foi escolhida para trazer boas energias no momento em que a exaustão se torna evidente. O celular escondido no porta-trecos na frente do barco saiu para cumprir a sua nobre tarefa de ser apenas um rádio. A luz do dia estava prestes a ir embora quando os caiaques começaram a sair da água. Os braços estavam pesados, os dedos dormentes e as nádegas sofriam pela carência de almofadas naturais. Trinta e nove quilômetros e oito horas de remada finalizadas com um banho quente, comida caseira, um copo de cerveja gelada e um comprimido de relaxante muscular. Fim de jogo.

No mato sem cachorro, sem vaca e sem luz.
A água amanheceu em absoluta calmaria. Sobre ela era possível ver o céu, os reflexos da neblina adiante e o próprio rosto de quem ainda não havia vencido o sono. Tudo estava em domínio do silêncio. Nem mesmo as galinhas das terras vizinhas tiveram o atrevimento de cantar. Ouvia-se apenas o som das pás do remo tocando a água. Nesta paz seguimos toda a parte da manhã com poucas paradas. As que existiram foram para beliscar uma barra de cereal ou um doce de banana cristalizada. Não fizemos muitos registros fotográficos naquele período, o que de certo modo foi um baita alívio, pois me poupou de ser perpetuado em uma cena vergonhosa quando, ao avistar uma árvore sob a água, resolvi passar sobre os seus galhos e acabei enroscando a quilha do barco em um deles. O sol estava próximo de alcançar seu momento à pino quando cruzamos a primeira das duas pontes da expedição. Torta, como é conhecida a ponte na região, recebe este nome porque de fato não é reta. Faz curvas como fazem as águas que contornam suas pilastras. Uma verdadeira obra anti-embriagados.

Atracamos para almoço. Panelas expostas sobre um belo palanque às margens de uma grande fazenda. Barris metálicos flutuando sem ferrugem, pneus protegendo os barcos que por ali encostam e madeiras com pintura nova em tinta branca. Ao longe era possível avistar cavalos se banhando no rio. Cena de novela, só faltava o drama. E ele veio, do curral com chapéu na cabeça e passos largos. O caseiro – atribuo a sua profissão por fatalmente não me lembrar de seu nome – veio nos informar que o proprietário da fazenda era um pouco avesso a presença de estranhos em sua propriedade. Entendendo que nossa permanência era mínima, apenas para cozinhar o almoço, conseguimos negociar uma trégua breve. Não deu nem tempo do caseiro retornar a parte alta da fazenda quando sou pego de surpresa com Celso de sunga pulando dentro da água. Não sabia onde escondia minha cara de vergonha. Tratei logo de agilizar o almoço.

A tarde começou quando entramos num longo vale de serras íngremes e altas. Área profunda de altimetria submersa irregular e margens com larguras bem diferentes por curto espaço em distância. Neste trecho havia também entradas de água vindo de cachoeiras escondidas e ilhotas no meio do rio. Combinações perfeitas para gerar correntes circulares e contrárias a nossa navegação. Neste dia iríamos acampar e estávamos preocupados com o deslocamento abaixo da média, pois logo o sol iria se pôr e ainda tínhamos alguns bons quilômetros pela frente até o ponto marcado como favorável a nossa pernoite. Por ali, onde estávamos, era quase impossível montar acampamento. Quando o relógio marcou cinco horas da tarde e alguns minutos eu entrei num afunilamento contínuo do rio. Neste momento, sem obstáculos e vindo de um alagamento denso, o rio passou a correr rápido e a correnteza favorável me levou a espantosa marca de vinte quilômetros por hora num percurso que durou aproximadamente vinte minutos. Quatro vezes mais rápido do que a  nossa média. Quando, por fim, a represa se abriu novamente, o sorriso voltou ao rosto. Ainda que estivesse longe da meta do dia me senti aliviado por enxergar alguns pontos, a curta distância, favoráveis ao acampamento. Mais uma vez atracamos com o dia próximo ao fim. A noite tomou os céus completamente quando a última vareta de sustentação da barraca foi fincada ao chão.

Galhos e folhagens úmidas recolhidos para serem combustíveis de uma fogueira nos custou um-quarto da caixa de fósforos.  A minha lanterna de cabeça falhou e a de mão, inexplicavalmente, seguiu seu  parente de testa e resolveu ficar no escuro. O jantar foi preparado sob a luz da fogueira com participação especial e esporádica da lanterna do Celso que ainda funcionava. O macarrão do dia ficou sem sal e o molho apenas coloriu a comida indigesta. A barriga cobrou mais tarde.

A fogueira que consumiu meia caixa de fósforos.

Guiado pela luz da lua e munido de uma pequena pá retrátil e um rolo de papel higiênico novinho, fui fazer minha contribuição orgânica a natureza. Meia noite acordo com a voz do Celso me chamando na barraca ao lado. Estávamos dormindo muito mal. Mais tarde descobri que o primo tentou me chamar por três vezes ao ouvir um barulho  próximo. Na última vez reforçou os decibéis, pois visualizou na sua imaginação fértil e aceitável ao momento uma cena dramática onde eu havia sido amordaçado e levado embora. Nesta lógica não havia dúvidas de que ele seria o próximo.

Volto a dormir. Poucos minutos depois me desperto assustado. Alguém andava ao redor. Talvez sejam apenas vacas. Vi que haviam pegadas quando mais cedo fui até as margens buscar água. Adormeci com a faca sem corte no peito e a lanterna inconsistente nas mãos. Coração dispara novamente. Ouço ruídos de uma canoa navegando pelas margens. Farto da impossibilidade de dormir, troco o medo pela falta de paciência. Abri a barraca, liguei a lanterna e não vi nada. Ninguém remando e nenhuma vaquinha me olhando. Logo entendi que o barulho ao redor do acampamento era gerado pelo atrito do sobreteto da barraca sobre seu quarto, reflexo do vento que chegou durante a madrugada. A mesma massa de ar criou as marolas na água que vinham a se estourar próximo a gente. Não havia ninguém e nenhum barco por perto. Tudo era fruto da imaginação. Os pés gelados pediram um par de meias dentro do saco de dormir. Não deu nem tempo de esquentá-los. O despertador tocou e a dívida com o sono aumentou mais uma vez. Iniciamos a árdua tarefa de desmontar o acampamento em meio a um cenário de ausência de luz, frio, vento cortante e equipamentos molhados por condensação.

Telefones modernos também fazem ligações.
As seis da manhã a proa toca a água mais uma vez. Às dez horas entramos em um trecho muito longo. Era a maior pernada de toda a viagem. Vento com intensidade e direção constantes anunciavam a criação de ondas. Uma hora depois a ciência provou sua teoria. Os caiaques saltavam as marolas em remadas de pura diversão. Alegria de uma novidade que tão logo foi substituída por momentos de monotonia. Sem progresso significativo em quilometragem por conta das condições adversas atracamos para almoço no horário correto, porém em local antecipado. Mas desta vez o tempo ruim foi lucrativo. Encontramos um pedacinho de terra belíssimo para almoçar. Brisa fresca, calor suave do sol, terra parcialmente arenosa e plana. Devorei a comida em segundos para garantir um tempinho de soneca ao ar livre. Deitado sobre um pedaço de lona estendida sobre o chão batido adormeci, ao som massageante das ondas se arrebentando alguns metros dali. Acordei feliz, porém preguiçoso. As remadas durante a tarde foram puramente inerciais. Talvez fosse um saco de batatas sobre o caiaque à deriva mais empolgante de ser visto por alguém em solo do que eu remando naquele momento. A única ação energética veio quando, acidentalmente, cocei os olhos ainda com protetor solar espalhado sobre as mãos. Agradeça-me, quem, assim como eu, ainda desconhecia o resultado desagradável desta combinação.

Dobrando a lona depois de uma boa sesta.

Minutos depois fizemos uma última parada. Verifiquei o GPS e percebi que já havíamos entrado no raio de visibilidade de nossa hospedagem. Em tese era para ser uma identificação fácil, o que não foi. Outras tantas edificações completava uma vizinhança bem heterogênea. Não queríamos gastar o que ainda nos restava de energia em tentativas falhas. Indecisos, assim ficamos sem reação equidistantemente longes de qualquer margem da represa.

– Liga logo lá, Du! Gritou Celso, impaciente.

Claro! O costume desta era digital na qual caracteres são mais expressivos do que vozes acabou por ofuscar o óbvio do uso básico de um celular; fazer e receber ligações telefônicas. A primeira tentativa de ligação falhou, a segunda completou a chamada, porém sem retorno de áudio e a terceira descobrimos que o dono da pousada não havia se lembrado de anotar nossa reserva.

Poderíamos estar ali diante de um problemão, mas o universo se mostrou mais um vez favorável a nós. O tempo que levamos para remar até as margens da pousada, o que não passou de cinco minutos, foi suficiente para que nossas acomodações fossem totalmente preparadas. Descobrimos, mais tarde, que éramos os únicos hóspedes naquele dia. Reinaldo, dono da pousada, desceu com sua caminhonete para nos ajudar a rebocar os caiaques. Estava um pouco complicado encaixá-los na carroceria então optamos por manter a tampa traseira aberta, enquanto, caminhando atrás, fazíamos apoio para que os caiaques não escorregassem. Não poderíamos ter tido uma idéia pior. O carro, por mais devagar que fosse seu deslocamento, ainda assim era mais rápido que dois sujeitos exaustos subindo uma colina. Tentando acompanhar o ritmo, Celso esqueceu sua sapatilha no caiaque e acabou pisando em um espinho. Virou uma bagunça só. Quando finalmente alcançamos o topo do morro, o corpo já estava muito próximo de pedir um par velas, duas caixas de madeira e um padre para a extrema-unção. Para piorar – ainda hoje não sei o motivo – disparamos a rir incontrolavelmente e o pouco de ar que ainda restava nos pulmões foi embora. Recomposto do esforço e riso, subi para o quarto e enquanto Celso foi assistir o segundo tempo do jogo da Argentina pela Copa do Mundo.

Após o banho desci para tomar uma cerveja. Mais tarde acompanhamos Reinaldo e sua esposa até a cidade para comer algo. Jantamos muito bem e pagamos pouco. Na hora de me levantar da cadeira para ir embora senti uma fisgada forte na parte posterior da coxa. O assento rígido do caiaque andava pressionando o nervo ciático da minha perna esquerda. Era uma questão de tempo para a dor surgir. Preocupado com o restante da viagem improvisei uma pequena almofada preenchendo um saco estanque sem uso com minha toalha de banho. Antes de ir pra cama conversei com Celso e decidimos mudar o roteiro do próximo dia. Íamos visitar os cânions da represa sem levar nossas bagagens e retornaríamos a pousada no final da tarde. Esta alteração reduziria em quinze quilômetros o curso da viagem sem excluir nenhum trecho importante. Durante a madrugada acordei sentindo fortes dores no pulso direito. Usei uma pomada tópica anti inflamatória pela primeira vez e ingeri um relaxante muscular. Consegui dormir novamente.

O frio que espante gente é melhor pra gente.
O dia amanheceu com o clima bom e a represa bem tranquila. Calmaria até bastante previsível. Era uma sexta-feira de baixa temporada e naquele dia a seleção brasileira de futebol estava para entrar em campo para disputar um jogo oficial pela Copa do Mundo. O radinho de pilhas que peguei emprestado com meu irmão seguia amarrado no colete salva-vidas e lutava para sintonizar a emissora esportiva. Nada de gol no primeiro tempo e quando ele veio no segundo tempo o rádio não tinha mais nenhuma sintonia. Os paredões imensos que formavam os cânions impediam que o sinal VHF chegasse até nós. De repente percebemos uma agitação na água no último estreitamento dos cânions. Mais adiante chegaríamos na piscina principal da cachoeira da cascatinha. Os caiaques pararam de avançar. Foi então que percebemos que a água que descia da cachoeira estava criando uma corrente contrária ao nosso movimento, bem intensificada por decorrência do afunilamento dos paredões. Celso fez uma primeira tentativa para transpor a correnteza, mas teve seu caiaque jogado para trás. Na segunda tentativa ele encontrou uma brecha na água e avançou. Fiz o mesmo na sequência.

Lado a lado na cachoeira da cascatinha.

Entrávamos no vale da cachoeira da Cascatinha. Eu, Celso e, à espera, um pequeno tamanduá mirim escondido entre as pedras. Ninguém mais por lá. Um momento raro de isolamento. Nestas épocas escassas de baixo volume d’água só se chega onde chegamos quem tem que barco de calado raso. O sentimento de gratidão aflorou na pele. Cada ponta de dor que senti nos ombros e todas as outras que ainda estavam por vir valeram a pena.

Da cachoeira da cascatinha migramos para os cânions ao lado. A queda d’água por lá tocava um ponto mais profundo do rio, o que nos permitiu passar com o caiaque por debaixo dela. Desta vez tomei a frente e quase me arrependi de frio. A água bateu forte na nuca e desceu pelas costas. O diafragma, contraído igual tatu bola, quase não deixava o ar entrar pelos pulmões. Aquele banho marcava oficialmente a reta final da expedição.

O almoço foi improvisado sobre um bar flutuante desativado. Risoto de legumes e ovos mexidos. Águas paradas, vento ausente e tempo nublado ditaram nosso retorno preguiçoso durante a tarde. A noite fomos agraciados por um jantar estupendo na pousada com direito a salada completa, batata frita, couve refogada, ovos, arroz e feijão preparados na hora. O sono foi inevitável e a cama a melhor companhia do mundo.

Tem horas que a vida assusta a gente.
A luz do sol entrando por entre as copas das árvores coloriu o nosso café da manhã. Mais uma vez a proa arranca em sua marcha ré. O dia iniciou com ventos dando sinais de que íamos encontrar boas marolas pela frente. Boas mesmo. Próximo às onze horas da manhã espichei meu corpo sobre o caiaque e coloquei os pés dentro da água. O movimento das ondas em sobe e desce e o balanço lateral do barco quase me fizeram dormir. Naqueles minutos que seguiram só consiguia pensar na vida boa que estávamos tendo até ali.

O surgimento de barcos motorizados indicava a proximidade de áreas urbanas. “Fuuuuuuuuuuuhhhhh” – o apito plástico, brinde de um posto de gasolina, falhou quando tentei sinalizar a minha presença na rota de uma lancha. Passou próximo. O caiaque balançou como um boneco João Bobo. Os ponteiros do relógio não apontavam meio dia quando atracamos em um novo pier. Do alto do morro fomos avistados por um homem de chapéu, que veio até nós. Uma recepção calorosa de um alguém que há semanas não recebia um hóspede em sua pousada. Reflexo de uma região turisticamente sazonal. Para brindar a conquista do quinto dia de viagem abrimos todos uma cerveja. O universo então nos apresentou aquela que seria a maior surpresa de toda a expedição. Rogério, o homem do chapéu, era irmão de Rodrigo, melhor amigo do meu irmão Guto. Rodrigo faleceu jovem, vítima de um câncer. De repente, aquela relação comercial entre hóspede e proprietário passa a não existir mais. Surge, em meio a um abraço caloroso, um novo amigo, fruto de uma bela história de amizade entre nossos irmãos. A noite acabou literalmente em pizza e eu comendo apenas as bordas, pois o garçom que fez o pedido confundiu o sabor vegetariano com a tradicional pizza portuguesa. Até breve, assim nos despedimos para enfrentar o penúltimo dia de viagem.

O jejum pode até ser uma boa opção.
A medicina ainda não catalogou o que passei a chamar de síndrome do xixi condicionado. Doença imaginária e contagiosa que passou a domar nossas bexigas de maneira surpreendente. A cada bico de terra que avistávamos ao longe os rins entravam em trabalho de parto e nos obrigava a buscar uma margem para atracar. Esta vontade incontrolada acabou nos rendendo alguns espinhos no pé e um ataque vagabundo de sanguessugas famintos. Nosso último almoço oficial da expedição estava um tanto quanto sem graça. Piorou. Descemos dos caiaques às margens do rio para darmos início aos trabalhos de cozinha quando avistamos na encosta de um barranco próximo um pobre cavalo falecido. Ao seu lado, uma família generosa de urubus.

A comida indigesta da ilha das capivaras.

Partimos com fome, afinal, aquele restaurante estava muito mal frequentado. De repente uma antena de telefonia móvel brota no meio do lago. Embaixo dela uma ilhota de pedras com vegetação rasteira e barro transitável. Logo, percebe-se o cheiro das marcações territoriais feitas por capivaras que vivem naquela região. A casa era delas e invadir propriedade privada é crime, mas pra fazer um almoço breve a gente estava disposto a burlar a lei. Mesmo porque não havia nenhum morador peludo por lá naquele momento.  A preguiça pediu um macarrão instantâneo e ovos cozidos. Escolha falha, muito indigesta. Talvez não fosse pelo sabor, mas por nosso estado de espírito enfraquecido. O dia monocromático encoberto por nuvens cinzas só foi nos trazer boas vibrações no final da tarde.

O sol finalmente tomou seu lugar em cena e a nossa chegada na última hospedagem foi tão calorosa quanto o seu brilho. Filhos, sobrinhos e mãe em um gesto de união belíssimo vieram nos ajudar a subir as tralhas e armazenar os caiaques para noite. Minutos depois um jantar farto com direto a escolha de cardápio e horário para serví-lo apagou totalmente as memórias deploráveis de um almoço nada gastronômico.

A última das duas pontes.
As seis horas da manhã o relógio se pôs de pé e roubou nosso sono. Roubar, este é o verbo correto, contrário ao ato de furtar, que é tomar algo sem que haja violência. E isso o despertador não fez. Último dia de expedição. Não havia pressa em nada, ou em quase nada. A síndrome do xixi condicionado ainda estava presente, firme e forte como sempre. Algumas remadas vagarosas e o contorno de um monumento sobre a água. Erguido sobre pedras do que era no passado uma igreja antes da barragem de Furnas inundar boa parte da região, havia um pedestal apoiando a imagem de São Francisco de Assis. Conta a história local, e por esta não saberia dizer se é uma lenda, que um padre muito influente sobre seus fiéis na época da pré-inundação convenceu parte da população a não abandonar a antiga cidade de Guapé. O protesto, sabe-se hoje não ter funcionado, levou algumas vidas embora deixando para trás apenas histórias e um marco de onde era a antiga igreja da cidade. Pouco antes do meio dia fizemos uma parada. A poucos quilômetros de onde estávamos já era possível avistar a segunda e última ponte a ser transpassada na viagem. Atrás dela, escondido num pedacinho de terra abençoado, estava o distrito de Santo Hilário. O destino ainda nos guardava uma bela surpresa. Os olhos marejados por um sentimento profundo de felicidade, ainda foram capazes de observar, numa articulação espantosa do universo, o meu irmão Guto e o sogro José cruzarem a ponte sobre nós. Coincidência, não. O resgate estava programado. O que não estava previsto era este encontro antecipado. A proa toca pela última vez às margens da terra vermelha de tom urucum. Após sete dias, quarenta e duas horas de remadas e quase duzentos quilômetros percorridos, chegamos onde queríamos chegar. O destino é a certeza de que somos todos capazes.

Reunião final na cidade de Santo Hilário – MG. Da esquerda para direita: Eu, Guto, José e Celso.

 


ONDE NOS HOSPEDAMOS
Aqui vale a pena mencionar com muito gosto todas as pousadas que passamos. Todas elas, sem exceção, nos recebeu muitíssimo bem.  Recomendamos fortemente.
Itaci – MG | Pousada Refúgio das Estrelas
São José da Barra – MG | Pousada Marina do Farol
Capitólio – MG | Pousada Pontal do Paraíso
Guapé – MG | Pousada Saracura


 

setembro 12, 2018 8 comentários
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Você já deve ter lido aqui no Aventuraria o Manual dos Bagageiros para Bicicleta – se não leu, clique aqui – e ganhou confiança para escolher um bom bagageiro para a sua expedição. Aliás, talvez não seja somente um bagageiro, mas dois. Você descobriu que, além do bagageiro traseiro, você também irá precisar de um adicional para dianteira da sua bici. Tudo pronto, ou quase. Entramos para a segunda parte desta jornada maluca de tentar encontrar a melhor combinação de equipamentos para fazer uma cicloviagem tranquila. Desta vez vamos tocar num assunto que também deixa muitos ciclistas confusos quando decidem pegar a estrada pela primeira vez. Apresentamos aqui o Manual dos Alforjes para BicicletaDividimos este Manual em 4 tópicos importantes.

1. MATERIAIS
Tecidos e zíperes utilizados na confecção de alforjes.

2. CAPACIDADE VOLUMÉTRICA
Como é calculado o volume de um alforje ou mochila.

3. SISTEMAS DE ENCAIXE
Como os alforjes são fixados nos bagageiros e quais os modelos disponíveis no mercado.

4. 
ESCOLHENDO O ALFORJE CORRETO PARA SUA EXPEDIÇÃO
Algumas dicas para te ajudar a encontrar uma boa combinação de equipamentos para sua cicloviagem.

Pois bem, chega de apresentações e vamos ao que interessa.


1. MATERIAIS

1.1 – TECIDOS

Quando vamos comprar um alforje pela primeira vez é muito possível que tenhamos dúvidas em relação ao tecido usado na sua fabricação. Talvez não seja uma dúvida técnica, pode ser algo mais genérico relacionado a sua capacidade de ser impermeável ou não. As variações de modelos e a quantidade de marcas disponíveis no mercado são bastante, porém os tecidos usados na confecção de alforjes são bem restritos. De forma genérica e ampla podemos dizer que todos os alforjes para bicicleta são construídos a partir de tecidos de nylon ou os chamados vinil (lona). Claro que temos algumas exceções como alforjes feitos em poliéster ou jeans, mas são raros e portanto só vale a pena mencioná-los a propósito de curiosidade. Quando falamos em nylon nós estamos nos referindo a malha base da confecção de todos alforjes, até mesmo os modelos em vinil. Neste grupo incluímos também uma das marcas mais famosas que temos no mundo têxtil, a Cordura®. O que vamos entender um pouco melhor durante a leitura deste manual é que existem semelhanças entre todos estes tecidos, inclusive eles podem ser combinados entre si. Vamos ver então como isso funciona na prática.

1.2 – NYLON

O nylon, segundo o dicionário,  é um  nome genérico para a família das poliamidas. Foi a primeira fibra têxtil sintética produzida pelo homem. Desde então tem sido largamente aplicada na indústria de tecidos, sendo base para a construção dos mais diversos tipos de equipamentos como mochilas, bolsas, malas, vestuário, calçados e até para-quedas. Em alforjes, o nylon comum é facilmente encontrado em produtos provenientes da China, ou em equipamentos produzidos por empresas que buscam reduzir seus custos. Entende-se por nylon comum todas poliamidas simples que não possuem direitos reservados como acontece com o nylon 6.6, que é patente da empresa DuPont e tem seu uso e marca registrada por acordo com outra empresa têxtil chamada Invista. Neste caso o nylon 6.6 e seus tecidos passam a receber o nome de Cordura®. É sobre ele que vamos falar um pouquinho agora.

1.3 – CORDURA®

Selo de Identificação Cordura®

Se você é daquele perfil de aventureiro fuçado que gosta de investigar os detalhes técnicos de um equipamento antes de comprá-lo, provavelmente você já deve ter ouvido falar nos chamados tecidos Cordura®. Este tecido é famoso e não é à toa. Registrado pela empresa DuPont por volta da década de 30, a marca Cordura® inicialmente se referia a um tecido criado a partir de uma seda artificial conhecida por raiom. Anos mais tarde e depois de ter sido utilizada pelo exército americano durante Segunda Guerra Mundial no processo de construção de pneus para seus veículos, a DuPont transferiu a marca Cordura® para os seus tecidos fabricados em nylon. Hoje, com o avanço da tecnologia e com o compartilhamento de seus direitos com a empresa Invista, a marca Cordura® foi transferida novamente, desta vez vinculada ao nylon 6.6. O nylon 6.6 produzido Invista tem altos índices de ligações de hidrogênio, ponto de fusão e taxas de cristalização. Estas propriedades químicas atribuem ao tecido Cordura® características únicas como forte resistência a abrasão, desgaste natural e calor. Hoje os tecidos Cordura® possuem uma variação extensa de modelos com aplicações nos mais diversos setores da indústria, indo de airbag para carros a barracas de acampamento.  Diante das incertezas de procedência dos tecidos feitos em nylon comum e sabendo do envolvimento em pesquisas e tradição histórica da empresa Invista, vale a pena optar por equipamentos que utilizam o Cordura® em suas confecções. Abaixo segue um teste de abrasões feito pelo método Wyzembeek comparando alguns tecidos com o Cordura®.

Teste abrasivo realizado pela fricção cíclica de lixa de papel sobre o tecido. Fonte: blackbeardutygear.com

1.4 – VINIL (LONA)

Processo de Laminação do Tecido Nylon

O vinil – apelido para policloreto de vinila (PVC) –  não é utilizado na confecção de alforjes na forma de fios como acontece com o nylon, portanto, ele entra naquela combinação de materiais que citamos para se formar um novo tecido. Visualmente ele é bem simples de ser identificado por conta da sua espessura e aparência plástica destacante. Os tecidos em lona, como nós conhecemos e podemos encontrar em alforjes de marcas famosas como Saikoski, Thule e Ortlieb, são produzidos a partir da aplicação de camadas de PVC ou PU (Poliuretano) sobre tecidos de nylon (também pode ser aplicado em poliéster ou algodão). Este processo é conhecido por laminação e se resume na aplicação de camadas de PVC ou PU internamente e externamente ao tecido base. A técnica é essencial para a impermeabilização de um tecido. Malhas em nylon ou poliéster em sua forma natural não são capazes impedir que líquidos atravessem suas paredes, mesmo sendo elementos sintéticos. Se olharmos um tecido em nylon bem de perto ou com auxílio de uma lupa vamos ver que ele é formado por milhares de poros. É por esses buraquinhos que a água atravessa a malha. O PVC entra nessa jogada justamente para fechar esses poros. Agora que você sabe que a lona é criada através de um processo de laminação sobre um tecido base, fica claro entender que é possível termos lonas construídas em Cordura®, embora não seja algo de extrema significância neste caso, já que o Cordura® vai ficar escondidinho neste sanduíche de PVC.  Antes de seguir para o próximo capítulo (capacidade volumétrica), ainda precisamos falar sobre aquele detalhezinho que está presente em quase todas as descrições técnicas de mochilas, barracas, bolsas, alforjes e etc; a bendita letrinha “D” que acompanha as informações sobre um tecido.

1.5 – LETRA “D”

Você está olhando as descrições de um alforje ou uma bolsa de guidão quando de repente se depara com a seguinte informação: fabricado em tecido Cordura® 1000D. Que cargas d’água seria esta numeração? E qual é o significado da letra “D” no final?
Esta é fácil, mas podemos complicar, o que definitivamente não iremos fazer. A letra D que acompanha os números em tecidos vem da palavra em inglês denier e não tem nenhuma relação com moeda medieval francesa criada durante o reinado de Carlos Magno. Denier é uma unidade de medida criada pela indústria têxtil que expressa o peso em gramas de um fio, cujo comprimento linear é de 9000 mil metros. Porém, na prática, a única coisa que você precisa saber é que quanto maior for o número que acompanha a letra D mais resistente e pesado será um tecido. Só isso, nada mais. Agora você já pode pegar a sua bici e sair por aí viajando. Só não se esqueça de explicar para os seus amigos o que é também a tecnologia Rip Stop. Não falamos sobre isso? Então vamos lá rapidinho.

1.6 – RIP STOP

Tecido Antirrasgo (Ripstop)

É uma técnica de tecelagem conhecida também por antirrasgo. É bem fácil de identificá-la e pode ser feita ao olho nu mesmo. Sabe aquelas mochilas que você olha e parece que o tecido é formado por milhares de desenhos idênticos em formas de diamantes ou quadradinhos? Então, este seria um tecido antirrasgo. O funcionamento da técnica também é simples. Se você faz um furo dentro de um desses quadradinhos ele não se propagará. Isso acontece porque ele está cercado por costuras geométricas. Se acidentalmente um furo extrapola um destes cercados, inevitavelmente, ele será bloqueado pelo cercado vizinho. Esta é uma técnica bastante eficiente e tem sido aplicada largamente na indústria de bolsas e vestuário. Ufa, agora acabou. Acho que falamos o que tinha que ser dito sobre tecidos. Vamos entender agora um pouco mais sobre a capacidade volumétrica de um alforje, mochila ou qualquer outro tipo de bagagem. Ah, mentira, não acabou ainda não. Faltou darmos uma passadinha ligeira no assunto zíperes YKK®.

1.7 – ZÍPERES YKK®

Zíper YKK®

Você já deve ter ouvido falar sobre este tal de zíper YKK na descrição de algum alforje ou mochila. YKK® é marca registrada do grupo japonês de mesmo nome (YKK), considerado o maior fabricante de zíperes do mundo. A empresa é tradicionalíssima e foi fundada a mais de 70 anos. A qualidade de seus zíperes é expressivamente visível, principalmente, diante das toneladas de zíperes ching-lings que existem por aí. Portanto, se for adquirir um alforje ou mochila dê preferência às marcas que utilizam zíperes YKK® em suas confecções. É um item de custo baixo que faz muita diferença.


2. CAPACIDADE VOLUMÉTRICA

Falando em capacidade volumétrica nós encontramos também uma porção de dúvidas. A primeira e mais comum está relacionada a escolha correta do volume de um alforje para uma expedição. Na sequência vem o questionamento da real capacidade volumétrica atribuída por cada fabricante de alforje. Ambas as dúvidas são bastante pertinentes e merecem uma atenção especial.

2.1 – Como calcular o volume de um alforje?

Este cálculo é bastante simples de se fazer, embora não seja o mais preciso por conta da geometria de um alforje. Utilizando a escala em centímetros como referência, deve-se multiplicar o comprimento de um alforje por sua largura e altura. O resultado será apresentado em centímetros cúbicos (cm³). Para descobrir a litragem final é só dividirmos o número resultante da multiplicação das dimensões do alforje por 1000.

FÓRMULA
Litragem do alforje = (comprimento x largura x altura cm) / 1000

EXEMPLO
Alforje XY
Comprimento:  30cm
Largura: 20cm
Altura: 40cm
Litragem = (30cm x 20cm x 40cm) / 1000 = 24000cm³ / 1000 = 24 litros

2.2 –  Por quê as minhas medidas da dimensão de um alforje não condizem com a fornecida pelo fabricante?

Esta é uma boa pergunta e também simples de responder. Vários são os fatores que podem nos levar a obter medidas diferentes de alforje. A precisão da fita métrica utilizada, os pontos de referência, curvas de canto e preenchimento são alguns dos parâmetros que podem nos dar medidas diferentes para um mesmo equipamento. Os bons fabricantes de alforjes utilizam uma das técnicas que talvez seja a mais eficiente de todas; o enchimento por água. A água, no seu estado líquido, é capaz de preencher todas as áreas internas de um alforje. Feito isso, basta calcular quantos litros foram utilizados no experimento. Esta técnica talvez seja uma das mais utilizadas entre os fabricantes. No Brasil sabemos que as marcas Arara Una e Alpamayo fazem os seus cálculos desta maneira.


3. SISTEMAS DE ENCAIXES

O que você precisa saber sobre os sistemas de fixação é que, praticamente, existem apenas duas maneiras de se encaixar alforjes sobre bagageiros. Fixação por engate rápido ou fixação por sobreposição.

3.1 – Fixação por Engate Rápido

Fixação por Engate Rápido – Thule

Encontrado em uma boa parte dos alforjes existentes no mercado este sistema permite que os alforjes sejam fixados e retirados do bagageiro com muita facilidade e que também sejam utilizados individualmente. Os grandes fabricantes de alforjes no mundo costumam ter seus próprios sistemas de fixação. Praticamente todas as marcas utilizam peças plásticas de alta densidade com exceção da marca brasileira Saikoski, que usa uma combinação ultrarresistente de aço e fitas de nylon.  Sobre a compatibilidade com bagageiros podemos dizer que os sistemas de engate rápido são compatíveis com todos os modelos de bagageiro de marcas conceituadas no mercado. Para os demais bagageiros a dica é ficar de olho no diâmetro externo dos tubos utilizados na sua fabricação. Se os tubos tiverem o diâmetro externo entre 8mm a 10mm, certamente o sistema será compatível. Para tubos com diâmetro muito acima do padrão de 10mm não há muito o que fazer, mas se o diâmetro for, significativamente menor, você tem a opção de criar uma luva ao redor do tubo para aumentar suas dimensões. Há milhões de maneira de se fazer isso e uma delas seria enrolar fitas de borracha (câmara de ar usada) ao redor da estrutura do bagageiro e fazer o acabamento final com fita adesiva do tipo Silver Tape.

VANTAGENS: Fixação rápida no bagageiro e possibilidade de utilizar os alforjes individualmente (útil para uso urbano)
DESVANTAGENS: O plástico está suscetível ao processo de ressecamento ao longo do tempo, o que pode resultar em sua quebra. O processo de substituição dessas peças não costuma ser barato se estiver fora da garantia e pode ser demorado de acordo com a região que você estiver viajando. Poucas possibilidades de adaptação.
* O alforje de 32L da marca Arara Una pode ser utilizado individualmente mesmo não sendo do tipo engate rápido.
** Alforjes feito em Vinil não são transpiráveis, o que pode gerar a condensação de água em seu interior.

3.2 – Fixação por Sobreposição

Fixação por Sobreposição – Alto Estilo

Este é um dos sistemas de fixação de alforjes mais antigos e sua possível origem vem do transporte de carga sobre animais. Foi por muito tempo utilizado no Brasil por tropeiros e ainda hoje é comum encontrar estes alforjes em áreas rurais. O sistema em si, ao ser levado para bicicleta, não sofreu muitas modificações, apenas as bolsas e dimensões foram alteradas para se adequar a nova modalidade. É um sistema confiável, ultrarresistente (principalmente quando feito em tecido Cordura®), prático e de fácil manutenção. O funcionamento é simples; duas bolsas unidas na parte superior por uma fita larga que será acomodada sobre o bagageiro.

VANTAGENS: Resistente em qualquer tipo de terreno; reparos podem ser feitos por você mesmo com o auxilio de uma agulha, linha e tecido; custo reduzido do equipamento por não depender de usinagens ou ter patentes vinculadas.
DESVANTAGENS: Alforjes não podem ser utilizados separadamente (exceção do modelo 32L – Arara Una).


4. ESCOLHENDO O ALFORJE CORRETO PARA SUA EXPEDIÇÃO

Vamos agora descobrir como transformar as informações técnicas apresentadas anteriormente em conteúdo prático. 

4.1 – Alforje impermeável ou não?

Saco Estanque – Sea To Summit

Se o alforje não for impermeável, não se preocupe, existem muitas soluções práticas (profissionais ou improvisadas) para evitar que suas coisas fiquem molhadas em dias de chuva. Um alforje 100% impermeável tem o benefício de já vir pronto para não se molhar, porém isso não significa que um alforje em tecido transpirável seja ineficiente nesse quesito. Uma das soluções para se blindar um alforje e evitar que se molhe por dentro seria a utilização dos chamados sacos estanque . Saco estanque, caso você ainda não tenha ouvido falar, é um saco hermético feito em tecido impermeabilizado ou plástico que não permite a passagem de água para o seu interior. Você tem a opção de adquirir um saco estanque próprio de marcas renomadas como Sea to Summit ou improvisar um, caso seu orçamento esteja bem apertado. NADA DE UTILIZAR SACOS DE LIXO. Uma das melhores opções para se estancar objetos dentro de alforjes é utilizando sacos de ração para cachorro. Sim, é isso mesmo. Sacos de ração são feitos em plástico resistente, diferente do saco de lixo que se rasga com muita facilidade.

Portanto, ser ou não um alforje impermeável não deve ser um fator limitante. O que temos como informação universal é que geralmente alforjes impermeáveis possuem um custo mais elevado. Outra característica comum destes alforjes é que eles não costumam vir com bolsos externos, o que para algumas pessoas é um complemento bastante útil. MUITA ATENÇÃO ao comprar alforjes importados que se dizem ser WATERPROOF, principalmente, objetos vindo da China. À PROVA D’ÁGUA  é muito diferente de ser RESISTENTE A ÁGUA e talvez muitos fabricantes e lojistas se deixam enganar – propositalmente ou não – pelo conceito da palavra inglesa. Lembre-se que, para se obter um alforje 100% impermeável deve-se aplicar um tratamento de PVC ou PU sobre seu tecido e suas costuras necessitam estar seladas (ex. barracas). A Arara Una, um dos maiores fabricantes de alforjes para bicicleta no Brasil, tem um modelo de alforje impermeável feito em Cordura® que segue esta lógica do saco estanque. Além do tecido utilizado na confecção de seus alforjes possuírem um tratamento de PVC para repelir a água, este modelo específico da Arara Una já possui um saco estanque instalado dentro dele. Deste modo a escolha de um alforje deve se resumir a sua capacidade volumétrica, custoapreço estético e acesso a manutenção e garantia.

Uma última observação em relação a impermeabilidade dos alforjes se dá ao uso de capas de chuva. Capas de chuva para alforjes são eficientes para segurar chuvas moderadas e proteger seu equipamento da lama, mas NÃO SÃO CAPAZES de segurar chuvas mais tempestuosas. Não que a água irá transpor a capa, mas ela poderá entrar por áreas não protegidas do alforje como o seu encostado. Use a capa de chuva como complemento a um saco estanque.

4.2 – Qual a necessidade de se utilizar alforjes na dianteira da bicicleta e existe algum modelo próprio para isso?

Alforjes dianteiros são muito bem vindos, principalmente, em cicloviagens de longa duração. É nos alforjes da frente que nós, geralmente, estocamos as comidas, equipamentos de cozinha, temperos, material de limpeza e outras coisinhas úteis do dia a dia. O seu uso se faz necessário quando percebemos que a parte traseira da bicicleta está alcançando o seu limite máximo de peso, tanto em relação aos alforjes quanto ao bagageiro. O excesso de peso na traseira da bicicleta pode ser bem problemático em inúmeros fatores. A começar pelo aumento da força aplicada sobre a roda traseira da bicicleta, que pode aumentar as chances de se furar um pneu como também danificar os raios e até mesmo o aro. Além disso, o excesso de carga sobre um bagageiro pode levar a sua ruptura ou alterar o equilíbrio da bicicleta. Outra coisa é a aderência da roda dianteira. Muito peso atrás pode criar uma tendência de se empinar a bicicleta. Isso é muito ruim para subidas e perigoso em curvas. Então a regra é simples. Está achando que a traseira da sua bicicleta está ficando muito pesada? Opte por instalar um bagageiro e alforje na dianteira.

Em relação aos modelos de alforjes frontais para bicicleta, no geral não existe algo específico. O que se percebe com bastante clareza é que os alforjes de dianteira tem sempre uma capacidade volumétrica menor (algo menor ou próximo a 30 litros), e isso é proposital. Primeiro porque o excesso de peso frontal altera significativamente a dirigibilidade da bicicleta, e outra é que não há a necessidade de tanto espaço assim para uma cicloviagem. Uma regrinha genérica e bastante útil é aquela que define a proporção de cargas distribuídas entre os alforjes traseiros e dianteiros da bicicleta. A média seria colocar 60% do peso total na traseira e 40% na dianteira. Este é um bom começo, os ajustes finos nós vamos fazendo durante a viagem.

4.3 – Qual o tamanho do alforje que devo levar na minha viagem?

Diante de tantas variações disponíveis no mercado encontrar o modelo certo de alforje para sua cicloviagem pode se tornar uma tarefa um pouco estressante. São vários os fatores que devem ser levados em consideração nesta pesquisa e não há ninguém melhor para defini-los do que você mesmo. Inclui-se nesta lista de parâmetros informações como clima, duração de viagem, perfil da expedição (autossustentável ou assistida) e a maneira como você monta suas bagagens de viagem. Para facilitar um pouquinho a nossa vida, elaboramos um pequeno guia ilustrativo para te auxiliar a montar a sua própria configuração de alforjes.

***** Este roteiro foi baseado na montagem de alforjes por pessoas que procuram não transportar muitas coisas em viagens, mas não são radicalmente minimalistas e nem exageradas. Se você for do tipo minimalista, considere a menor das medidas fornecidas na tabela acima. Se for do perfil exagerado, opte pelas maiores medidas.

DICA DE COMPRA

Se você está fazendo uma cicloviagem de curta duração pela primeira vez e tem a intenção de se hospedar em pousadas, comer em restaurantes e ainda não tem certeza se fará outras expedições (difícil não fazer), uma boa opção seria investir em um alforje com capacidade em torno de 30L. Se futuramente você decidir fazer expedições longas e com muita bagagem este alforje pode ser transferido para a dianteira da bicicleta e só então você investe num alforje de capacidade maior para ser utilizado no bagageiro traseiro.

4.4 – Quais são as melhores marcas de alforjes encontradas no Brasil?

O cicloturismo ainda está tomando o seu lugar no Brasil, mas os fabricantes de alforjes e marcas internacionais já estão por aqui faz um bom tempo. O interessante é ver que, embora ainda não tenhamos uma tradição nesta modalidade, o mercado nacional de fabricação de alforjes é bem significativo. Hoje temos por aqui (Julho/2017) ao menos 7 fabricantes  de alforjes para cicloturismo (Alpamayo | Alto Estilo | Arara Una | Aresta | Curtlo | Saikoski | Northpak), sendo a Saikoski pioneira na produção de alforjes impermeáveis no Brasil. Além das marcas nacionais nós temos também outras 4 grandes marcas internacionais (Thule | Ortlieb | Deuter | Topeak). Todas elas, sejam brasileiras ou de origem estrangeira fabricam alforjes de altíssimo nível técnico e durabilidade. Todas as marcas nacionais utilizam Cordura® em seus alforjes e zíperes YKK®.

ALFORJES URBANOS

Neste manual estamos focando nos alforjes próprios para cicloturismo, mas não podemos deixar de citar outros dois grandes fabricantes brasileiros de alforjes do tipo urbano; Alforjaria e Movere.


ATENÇÃO
Tome muito cuidado ao comprar alforjes provenientes da China. Apesar de ter um custo bastante chamativo, a grande maioria dos alforjes fabricados por lá utilizam material de baixa qualidade, incluindo seus tecidos e zíperes. A nossa recomendação é que nunca se compre um alforje da China para fazer uma expedição de longa duração. O problema mais comum encontrado nestes alforjes é o desfiamento de seus tecidos no decorrer da viagem. Alforjes de marcas confiáveis não são caros se considerarmos que são produtos para durar uma vida toda.


Onde posso comprar alforjes e equipamentos para cicloturismo no Brasil?

Um ótimo lugar para se comprar alforjes e equipamentos especializados em cicloturismo é sem dúvidas a loja virtual,  Aventuraria.


julho 19, 2017 18 comentários
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