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O Ouro que Dom Pedro deixou para trás – Introdução

escrito por Eduardo Lemos julho 26, 2016

Belo Horizonte, Agosto de 2013

O AMANHÃ NUNCA CHEGA
Os dias que antecederam a partida

Carlos, vou ter que sair do projeto. Meu computador não está mais conseguindo trabalhar com imagens em alta resolução. – A poucos dias da entrega de um projeto que indiretamente financiaria toda a minha viagem pela Estrada Real, Thiago, amigo e parceiro de trabalho, se viu obrigado a abandonar o seu posto.

O relógio que anteriormente já não funcionava honestamente nas suas vinte e quatro horas de repente passou a girar seus ponteiros tão rápido quanto faria as pás de um liquidificador. O tempo voava alucinadamente e carregava consigo as poucas ideias e soluções que ainda me restavam.  Eu precisa vencer os atrasos, o sono, o cansaço e vontade de desistir de tudo.

Não estava preparado para abandonar um bom projeto, perder um fiel cliente e ainda deixar uma viagem que havia planejado há meses escapar por entre os dedos de minha mão. Eu precisava de uma solução urgente e Hamilton, parceiro de outros projetos e amigo de boa safra topou entrar neste barco furado comigo. Thiago receberia a sua parte pelo que já havia feito e Hamilton assumiria o restante e seus devidos honorários.

Neste momento entrou em cena uma senhorita muito simpática pela qual me enrosquei nos amores desde os tempos da Arca de Nóe. Débora passou a integrar o time. Todos os dias após o trabalho ela vinha até minha casa para ajudar nos preparativos da viagem. Pobre coitada, nem mesmo o mais fraco dos jogadores de futebol de um time de várzea ficaria tão na reserva quanto eu a deixei. Apesar da minha indelicada falta de atenção foi ótimo estar na companhia daquela adorável mocinha. Durante as madrugadas entre minhas brigas com o sono e algumas imagens finalizadas ainda tinha tempo para me divertir, observando sob risadas, aquela criaturinha dobrando e desdobrando sobre a cama na simples tentativa de permanecer acordada enquanto eu, facilmente trocava a noite pelo dia.

Os trabalhos foram retomados. Hamilton ainda precisava entender como tudo estava sendo organizado e a falta natural de entendimento me deixava um pouco preocupado. Não demorou muito para que as madrugadas não fossem mais de trabalhos solitários. Do outro lado da conexão Hamilton se dedicava incansavelmente a montagem do projeto e Marcell, amigo, biólogo e companheiro de viagem não ficou de fora do pagode. Todo dia por volta das 10 horas da noite ele ligava o seu computador e o disponibilizava para acesso remoto. Da minha casa eu operava, enviava arquivos e produzia imagens que só seriam vistas no dia seguinte.

Não pedalava há mais de um mês e já havia trocado as boas refeições por pizzas vagabundas e biscoitos recheados. Meus banhos eram de invejar qualquer ativista ambiental. Seguia rigorosamente os mandamentos da vida sedentária e da morte precoce. Do outro lado Hamilton também assinava seu atestado de óbito e Marcell provavelmente já havia xingado seis gerações da minha família por conta dos atrasos.

Por falha minha a viagem já havia sido remarcada algumas vezes e o roteiro ainda estava um pouco distante de ser fechado. Minha preocupação se tornou visível quando próximo a nova data de partida notamos que ainda tínhamos em mãos quatro bagageiros que não serviam em nenhuma de nossas bicicletas. Eu sabia que sem bagageiro e sem projeto estruturado esta viagem correria o sério risco de ser adiada para o ano seguinte. Minhas férias estavam programadas e a época de chuva estava quase iniciando. Dias mais tarde Hamilton conseguiu finalizar sua parte na produção e finalmente estabelecemos a data para o início da viagem; domingo.

Na quinta-feira Marcell e eu fomos até uma pequena serralheria que havia no bairro. No local encontramos muita ferragem jogada no chão, pouco espaço de trabalho e um ambiente mal iluminado. Fomos atendidos por um senhor de poucas palavras, cabelo grisalho, rosto sofrido, barriga bem servida e bastante disposto a ajudar. Na época eu ainda nem imaginava que viria a me formar tecnicamente como soldador e portanto entendia muito pouco dos processos de soldagem. Acreditava que todo o trabalho naquela oficina não levaria mais do que uma hora para ser finalizado. De fato a soldagem em si é bem rápida, o que pode tomar tempo são as etapas de preparação de material. Foi com esta inocência que por volta das oitos horas da noite e depois de permanecer quase cinco horas dentro da oficina, Marcell e eu, a beira de um colapso nervoso, finalmente conseguimos encaixar os bagageiros nas bicicletas. Na sexta-feira pela manhã ainda tivemos que voltar ao serralheiro para fazer alguns pequenos ajustes na estrutura. Durante a tarde Débora e eu quebrávamos a cabeça em casa esparramando sobre a cama itens que seriam levados na viagem como estojo de primeiro socorros, higiene pessoal, ferramentas, barraca, fogareiro, saco de dormir dentre outros. Aos poucos fomos catalogando e separando um a um.

No sábado pela manhã enquanto aguardávamos a chegada de Marcell e sua namorada Rachel, Débora e eu decidimos ir ao mercado para comprar alguns itens que estavam faltando. Nossa tarde foi dedicada exclusivamente ao trabalho de montar as bicicletas.

Débora, cadê as baterias? Marcell, você acha interessante levarmos isto? Nossa, já está ficando escuro lá fora. Apesar de todos os esforços de uma equipe bem concentrada e dedicada as previsões que outrora apontavam para uma logística falha agora se tornavam reais. Por todos os cantos da casa era possível encontrar objetos esparramados sobre o chão. Talvez a única diferença visual naquele momento entre o nosso ambiente de trabalho e o de um vendedor de Marrakech era a sua posição geográfica no planeta. O dia estava muito próximo de acabar e eu estava faminto e cansado. Teoricamente a viageminiciaria dentro de algumas horas e era fácil resolver aquela confusão. Juntaríamos tudo aleatoriamente e jogaríamos dentro dos alforjes. Apesar de ser tentadora a opção de se libertar dos planejamentos massantes e intermináveis esta escolha poderia nos trazer muitas dores de cabeça lá na frente.

Não vamos viajar amanhã. Não podemos sair com as coisas arrumadas de qualquer jeito. Marcell concordou imediatamente, talvez já estivesse enxergando esta possibilidade enquanto eu ainda tinha esperanças de íamos conseguir finalizar a montagem ainda no sábado. Esta decisão trouxe um alívio imediato para equipe e um bônus bem agradável. Tínhamos agora um dia completo pela frente para colocar tudo no eixo de forma pensada e segura. O dia extra rendeu ainda a fabricação de dois pequenos travesseiros feitos a partir de uma espuma velha que estava jogada atrás do sofá. Ideia fantástica que certamente nos polpou de uma consulta ortopédica pós Estrada Real. Era madrugada quando o casal de amigos se despediu e fomos dormir.

Tudo que eu não queria era sair para viagem em plena segunda-feira estando em uma capital.  Pensar no trânsito que me aguardava nas ruas me deixava bastante desconfortável. Embora eu já tivesse outros experiências com viagens mais curtas, desta vez eu estaria carregando uma quantidade de bagagem significativamente maior. Na internet os conselhos eram para que fosse feito um teste primeiramente com a bicicleta montada antes de sair definitivamente para viagem. Ótima dica se não fosse pelo fato de que quase 100% das pessoas que aconselham fazer o teste nunca o fizeram de fato. É bem compreensível o motivo pelo qual as pessoas desistem desta tarefa uma vez que não é nada legal equipar uma bicicleta inteira simplesmente para dar uma voltinha no quarteirão. Se for cair, vai cair de qualquer jeito, a estrada é o caminho e a escola.


ACESSE O PRÓXIMO CAPÍTULO DESTA VIAGEM
PARTE 1

 


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